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Mensagens

A mostrar mensagens de agosto, 2011

Regresso

São os dias que contam, não as horas. Dentro das almas há suor que escorre de um fazer por ainda não ter sido feito. A multidão escondida entre os sons da cidade, ecoa passos pela noite descoberta, como se a luz do dia tivesse  deixado rasto. As paredes já não entornam o amarelo com que demarcam o escuro da vida que agora se junta, em rito de acasalamento, com as luzes da cidade. Insinua-se o negrume pelos recantos que acarinham as pedras da calçada cintilantes de passado, para deixar no ar fresco, pedaços de memória regados a morrinha de fim de Estio. Os homens esquecem que a satisfação é inimiga da criação e empanturram-se de dias largos de suor, para para poderem vangloriar-se da vida que se lhes escapa por entre os dedos.  Os crentes olham agora mais uma certeza quando passam pelas escadas da igreja, onde se espraiam outras almas na espera de algum transeunte que lhes compre um pouco de paz, em troco de uma esmola. Há sempre lugar para mais um, que ali chega por ter deixa

Chuva de Verão

  As paredes brilham, inclinadas pelo chão molhado da chuva. Os seus olhos contrastam o céu cinza e buscam vozes no ar da tarde por onde caminha: nem mira o reflexo pelas montras como gosta de fazer.   Quem a vir julgará os seus passos pelo silêncio que gritam no ar, espelho da fronte enrugada que lhe coroa a face branca. À sua volta desabrocham passados  como flores de um monte no verão enquanto ressurgem vontades e desejos de a ver pairar como antes. Esticam-se as almas pelos estendais da velha Alfama. Só ela passa debaixo da morrinha!   Pelo final da tarde, quando mais ninguém se lembrar da chuva e o sol lograr apagar da calçada as cópias dos prédios, ouvir-se-ão os sinos de S. Miguel em anunciado desespero por fiéis moribundos. Dos cantos e portas escuras, saltará gente ao magote e o chilreio dos pássaros fará com que a esqueçam até à hora de jantar. Depois ela será conversa. Apenas conversa de final de dia e rumor de regresso.   Chega a casa sem saber que chegou: dói-lhe m

Fermento De Tempestade

 Há corropio de gente em azáfama de esperas, os loucos pasmam a raiva com que de noite invadem o inferno em visita de sonhos repetidos. Não há vozes escondidas nas travessas nem olhares trocados por quem passa. Em rosário caminha a cosmopolita mole sem destino: como carreiro de formigas se fintam certezas e se perdem planos. Junto à banca de legumes da esquina, o pregão morre no ar denso da manhã para se juntar ao grito dos sinos. Da calçada chegam passos arrastados contando dores osteopáticas de eras antigas. De uma janela sobra o choro pacífico e largo de criança com fome. Se ora pára algum momento de cansaço, descansam por breve as consciências escondendo revoltas há muito açaimadas.   Quatro esquinas de gente brotam cinza de céu baixo pelas paredes sem sombra e da pedra das faces sobram rugas de amanhã. Telhados carregados de vermelhos e castanhos viúvos, escondem o postal do turista por trás da câmara para pesar cílios em vã tentativa de despertar as horas.   Pelas aforas

Dia Sem História

 Pendurado na manhã, em precário balanço, procuro em vão encontrar um poiso onde deixar cair o desejo de partir. Sobrevoam-me incertezas e sonhos de mares já navegadas por onde cruzar o meu destino. Falta pouco para sentir o vertical picar do sol calando o pio das aves. Atravessa selvagem o rio de carros  ruidoso, a perpendicular da manhã. Pelas calçadas desmaiam os passos em previsão de mais um dia sem história.  Num banco apenas ensombrado, recontam-se recortes de memória nas figuras de velhos de quem foge o tempo. Ninguém lembra realmente e menos os que fizeram das estradas e caminhos as suas alvoradas e os seus espinhos.  Pela calçada arrastam-se pressas, sorriem-se desgostos e escondem-se madrugadas de cristal em estudados esgares de vida. Só do contraste da ave contra o azul profundo se esvai o tempo em que todos se afundam. Arde a pele e arrasta-se o meio-dia!  Da primeira sombra cai de madura a manhã e nos balcões tergiversados em geometria de fome, enfileiram esperas e

Porta de Ti

 Quantos dias ficarão por esquecer quando tudo à tua volta te fizer perder a calma? Quantas horas em vão passarão pelo relógio do teu bater cardíaco antes que possas olhar-te no espelho e gritar: não posso mais?  Os olhares destroçados em silêncio e vazio atropelam desejos interiores enquanto te perdes em horizontes ardendo de ti. Nas tuas mãos treme ainda o odor da derrota de um amor desfeito em migalhas de céu. E só tu sabes que o jardim de casa já não tem aquele canto onde te escondias para chorar as lágrimas que lá dentro evitavas... E nem as árvores te ensombram agora o braseiro em que ardes por dentro.  Pelos corredores estreitados da tua prisão cambaleias os dias numa surdez muda de que não tens memória. Olhas mas não vês; ouves e não escutas; tocas e não sentes... As paredes, os quadros, tudo te parece agora despejado e nu. E ficas de pé, à porta de ti mesma, olhando sem perdoar a culpa que te juras mas que eu sei não ser só tua.  Abre-a! Abre essa porta e foge! Vai ver as f