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Mensagens

A mostrar mensagens de julho, 2011

A Musa

Há, no torpor das noites, minutos de sonho que queria gravar fundo no meu acordar para lembrar-me mil vezes ao dia. É o sol do teu sorriso que fustiga a alvorada como um meio-dia tropical. A tua pele deixa-me sonhos de África no cheiro da terra vermelha. Caminho por entre os teus cabelos, pendurado no teu olhar e no horizonte absoluto de um futuro impossível, descubro velas erguidas em louvor de ti. Já não basta respirar: preciso ver-te! A manhã escorre lenta e pressurosa rumo ao zénite. No alçado correr do sangue espalham-se, como chispas incandescentes, repentes de ti e a memória ainda viva sorri momentos de aconchego. Pergunto tantas vezes: porquê musa minha me deleitas as noites e me abandonas os dias? Nos momentos indecisos, pairando entre horas, perco o caminho e cambaleio sem destino. No antigo porto, junto às carcaças de velhos navios que em silêncio contam histórias dos Sete Mares deixo-me ficar, em contemplado mirar de horizontes, perdido entre as agora ténues memórias do

Cidade Amordaçada

  Paredes decadentes delimitam o passado esquecido; gentes de olhar absorto em ocasional caminhar, ziguezagueiam pelas pedras da calçada sem hora de partir... Entre as perpendiculares fugidias, escondem-se esplanadas cheias de sedentos calores e cansaços de turista. Aqui e ali, junto às sombras que teimam em fugir ao sol, modorram-se mendigos de mão estendida a uma caridade transparente em tom de detergente para consciência. Só os sinos vibram pelo meio-dia as notas de uma repentina brisa que promete mas não cumpre. Pelos recantos e esquinas, perdem-se as vozes dos que nada dizem e misturam-se olhares na amálgama de desejos perdidos em amores derrotados. Irónico, o azul claro do céu paira em equilíbrio sobre os telhados em brasa. Ninguém vive: todos esperam apenas!   O ranger das rodas dos Eléctricos riscam a pesada tarde na certeza de um caminho cravado no chão. As horas passam invisíveis num contraste evidente com o bater dos corações no meio da modorra e há uma inconsistência de al

Terra Oblivion

  Em territórios obsoletos da minha memória vivem fantasmas! Vejo-os em sonhos, quando em desespero de causa tenho que regressar. Monstruosos seres escuros que me bafejam o pescoço e me gritam arrepios ao ouvido como se riscassem vidro. Conheço vagamente aquelas memórias flutuantes e nalgumas revejo infernos dantescos por onde um dia passei. Nem sei, às vezes, se foi real ou apenas pesadelo. Quero partir mas os monstros não deixam. E nem lhes tenho medo! Muito pelo contrário: bem gostaria que me confrontassem para os poder olhar bem nos olhos e então, pura e simplesmente, apagá-los! Mas já falta pouco: o Destino não tarda aí!   E quando chegar, há-de levar-me nas suas asas até futuros transparentes, plenos de horizontes longínquos de onde chegam as vozes encharcadas de melodia que me atravancam a esperança de chegar ao porto que já vislumbro atrás daquela névoa. Por agora há que derrotar os monstros!   Depois há que voar! Voar até que se me gastem as asas!

São poucas as palavras nesta hora! Mas são tuas!

Vou, talvez, dormir: acalmar o formigueiro que me rói todo o corpo como se quisesse levar-me a alma. Quantas vezes é preciso morrer? Sei que tenho que levantar-me cedo: tenho uma revolução para fazer! Mas que importa a hora se nem vou poder fechar os olhos? E não é a Bastilha que me chama! Eś tu, que não devias ser! Prometeu-me o Destino, senhor de todos os caminhos, que não havias de ser! E portanto falha!

Bem: isto é complicado!

  Hoje, que somos muitos e temos pouco tempo, olho atrás para ver reconhecer apenas a razão do fim! De nada me valeu a vida! Já sabia de tudo: que ainda não conseguia andar mas afinal corria; que não sabia caminhar e afinal voava; que não podia falar, mas dizia... Tantas e tantas coisas que não cabem nas palavras que um deus coloca na vida!   Agora, que já ninguém tem tempo para escutar tudo isto que deliro, quando me olho de cima porque não podia chegar mais fundo... Agora digo: cada momento da minha vida é só um pouco da minha morte!

Idos De Julho Em Lisboa

  A cidade estremece de modorra. Pelo dentro dos quintais se esconde a fresca tarde. Lá fora queima a sombra até! O caminho passeado lento, desencontra-se das figuras cruzadas e as almas deambulam pela massa de ar quente em ofegante necessário. Pouco resta do meio dia! E pouco menos falta para ficar mais calor.   Ao fundo da rua, pelos lados de S. Domingos estendem-se pela sombra da velha oliveira as africanas saudades da acácia espinhosa e o chão de brilho solar cega e dói. Até o Rossio parece não querer ali ninguém!   E nós? Que fazemos aqui? Há promessas escondidas nos nossos passos e dentro de nós salta o desejo de jurar. E calamos o dizer em troca de  um leve roçar de pele. Um arrepio fresco troca-nos os olhares no meio deste deserto. Partiremos daqui, algum dia?   Miramos a terra como se fosse mar e tranparentam-se as fachadas para deixar passar o horizonte. Há mastros no cais! Serão do navio que nos há-de levar? Em murmurado silêncio nos sentamos na soleira daquela porta e deixa

Uma Sereia No Fim Do Mundo!

   Abre as portas com fúria o vendaval! Entrando, ruge o mar salgado, iroso e imparável; tormentam-se as ondas que estendem nos braços uma sereia de manso olhar. Agargantam-se os olhares do povo extasiado. Recua-se um passo empurrado pelo bater cavalgado do coração. O cordame naval range cascos no cais; revoltam-se os navios! Querem partir, ir com a sereia!   Junto à borda, pelos cantos do vento, caminha impávida a figura sombreada do Destino. Pelas arribas o povo treme e recua ainda! Não sabem, coitados, que nada podem fazer! Sim, porque ao Destino pouco importa: quem parte ou quem fica!    Aos joelhos baixam os crentes, elevando em preces as mãos ao céu negro e furibundo. Há perdão rogado em todas as vozes, junta-se o sal das lágrimas ao mar salgado. É o fim do mundo!

O passado também morre!

  As vozes que viajam nos ventos já me tinham dado a certeza: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe! Ao caminhar pelo tempo passei pelas noites brancas e dias de cinza chumbo; olhei-me mil vezes e perguntei: porquê? Das lágrimas fiz mar e nele naveguei; e agora, descobrindo que tenho asas, volto a respirar e a ter a certeza: há, para além do horizonte, um porto de abrigo! A tormenta já não sacode os dias, as noites e auroras trazem no estômago um doce fervilhar de um arrepio de alegrias. Não do momento mas antes da certeza de que afinal nesta história da vida, há sempre um final feliz.   Sereníssima hora em que respiro de novo o perfume das Rosas Damascenas quando passo pelo quintal ao lado. Já nem sei chorar! Nem rir! Agora contemplo!