Avançar para o conteúdo principal

A Musa

Há, no torpor das noites, minutos de sonho que queria gravar fundo no meu acordar para lembrar-me mil vezes ao dia. É o sol do teu sorriso que fustiga a alvorada como um meio-dia tropical. A tua pele deixa-me sonhos de África no cheiro da terra vermelha. Caminho por entre os teus cabelos, pendurado no teu olhar e no horizonte absoluto de um futuro impossível, descubro velas erguidas em louvor de ti. Já não basta respirar: preciso ver-te!
A manhã escorre lenta e pressurosa rumo ao zénite. No alçado correr do sangue espalham-se, como chispas incandescentes, repentes de ti e a memória ainda viva sorri momentos de aconchego. Pergunto tantas vezes: porquê musa minha me deleitas as noites e me abandonas os dias?
Nos momentos indecisos, pairando entre horas, perco o caminho e cambaleio sem destino. No antigo porto, junto às carcaças de velhos navios que em silêncio contam histórias dos Sete Mares deixo-me ficar, em contemplado mirar de horizontes, perdido entre as agora ténues memórias do sonho até que o sol se esconda por trás de um vermelho pálido entre amarelos alaranjados e azuis em violeta.
Acendem-se as luzes da cidade e brilham as pedras da calçada: e já não te vejo! Fica-me o vazio de não saber quem sou nem para onde vou! Levam-me os meus pés ou perco-me de casa.
Por fim encosto-me ao silêncio e vagueio pelas imagens que uma televisão debita. Em todas te procuro mas não te vejo. Não faz mal: daqui a pouco vou estender-me sobre os lençóis e talvez tu me venhas visitar os sonhos. E se hoje não vieres, hei-de guardar um pouco da noite passada para poder viver o amanhã!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Domingo na Cidade

 As ruas desertas mostram a nudez das horas. Um silêncio familiar atravessa os raios de sol mortiço que iluminam os entre-olhares dos recém amantes sentados pelos bancos da praça. Há promessas para nunca cumprir e o sempre que se sussurra não passa de uma jura inocente de que a primavera vai durar para a eternidade. Pelo correr das horas dir-se-ia que o peso do ar não deixa passar o dia.   Num banco de jardim, cercado de andorinhões, os meus olhos prendem-se ao fio do horizonte na boca do rio e finge grades férreas nas colunas de uma ponte suspensa das nuvens. A cinza abafada do céu acinzenta os gestos de quem passa e apenas eu testemunho. a primavera.   

Já Não Quero Que a Saudade Regresse!

  Os amigos do princípio eram os companheiros do sonho de infância, povoando o imaginário de aventuras em que do nada se fazia tudo: bastava sonhar! Navegámos dias de todas a cores e, às vezes, tantas, só a preto e branco. Mas o que queríamos mesmo era voar nas asas do sonho. Éramos crianças!   Desses tempos me chegam aguareladas memórias e de quando em vez, um pequeno arrepio de tristeza esfria-me a nuca. De tão novo me ficaram lembranças de companheiros em quem, já tão cedo, vi mares de egoísmos e maldades das que não alcanço lembrar mais do que esse ligeiro frémito. Éramos crianças!   Fomos crescendo e, no meu mundo de aventuras, arrastado às costas da família andarilha, de terra em terra, fui deixando e colhendo em toda a parte saudades. Não lembro nomes. Recordo árvores, mato grosso e escuro, em recantos de aventura; savanas poeirentas, lar de feras; picadas de longos, largos e fundos trilhos; areias escaldantes, mordidas de pinha casuar; mar lúcido, feito esme...

O Fim Do Mundo!

Por fim chegam as consequências de uma globalização feita sem pés nem cabeça, ainda que com muitas vantagens para os chamados "países em vias de desenvolvimento". Os "ricos" deixaram de ser competitivos por causa dos altos salários e de uma plataforma de direitos sociais invejáveis. Subitamente podemos comprar os mesmos produtos por metade do preço devido ao baixo custo da mão de obra dos países "pobres" que, ainda por cima, não gastam em segurança social e em muitos casos, usam mesmo modernas formas de escravatura.   A cegueira dos governos "ocidentais", pressionados pelos lobbies das grandes empresas e do capitalismo selvagem, levou a um desemprego generalizado e ao colapso da segurança social. O ser humano passou para segundo plano e submeteu-se o interesse público ao das grandes corporações que deslocam os meios de produção para os lugares onde menos se paga pelo trabalho, mantendo o capital em paraísos fiscais para benesse de alguns. A bola...