Avançar para o conteúdo principal

Margem Sem Rio




  Ouvem-se trombetas leito abaixo: feras de vermelho quase negro, escondidas no silêncio em que os inocentes se despegam dos dias e das horas. De longe ruge a noite dos antigos e treme a madrugada.
  Do fundo do meu olhar brotam os tropeços da tempestade que veio matar as estrelas. O escuro cinza remata e tapa o horizonte imaginado de outras horas, de outros dias. Pelas escarpas calam-se ínfimos silêncios e pressente-se o dia que ninguém quer ver nascer.
  Ao coração dos homens chega agora o canto de uma deusa feita de ferro e fogo. Os céus revoltam-se contra o mar que dança e desacerta o fim do mundo. A lua feita em quatro cobre-se de um manto de luzes negras e ribombam faíscas em troar de avisos. O néctar da guerra escorre pelas serras e aconchega o último sono dos condenados. O canto da trombetas desfia o ar da madrugada e tinge de gritos o amanhã.
  Já foram águas que daqui levaram rios de gente e terra feita aquém-vida e sobretudo, rios de murmúrios. Restinga moribunda pelos infins do estio que largou areias ao vento e se despiu em deserto. As dunas do ocidente, seios ubérrimos e lânguidos, acalmam a noite escurecida de estrelas que o quarto-lua observa, lá em cima, mais longe que o céu!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Já Não Quero Que a Saudade Regresse!

  Os amigos do princípio eram os companheiros do sonho de infância, povoando o imaginário de aventuras em que do nada se fazia tudo: bastava sonhar! Navegámos dias de todas a cores e, às vezes, tantas, só a preto e branco. Mas o que queríamos mesmo era voar nas asas do sonho. Éramos crianças!   Desses tempos me chegam aguareladas memórias e de quando em vez, um pequeno arrepio de tristeza esfria-me a nuca. De tão novo me ficaram lembranças de companheiros em quem, já tão cedo, vi mares de egoísmos e maldades das que não alcanço lembrar mais do que esse ligeiro frémito. Éramos crianças!   Fomos crescendo e, no meu mundo de aventuras, arrastado às costas da família andarilha, de terra em terra, fui deixando e colhendo em toda a parte saudades. Não lembro nomes. Recordo árvores, mato grosso e escuro, em recantos de aventura; savanas poeirentas, lar de feras; picadas de longos, largos e fundos trilhos; areias escaldantes, mordidas de pinha casuar; mar lúcido, feito esme...

O Fim Do Mundo!

Por fim chegam as consequências de uma globalização feita sem pés nem cabeça, ainda que com muitas vantagens para os chamados "países em vias de desenvolvimento". Os "ricos" deixaram de ser competitivos por causa dos altos salários e de uma plataforma de direitos sociais invejáveis. Subitamente podemos comprar os mesmos produtos por metade do preço devido ao baixo custo da mão de obra dos países "pobres" que, ainda por cima, não gastam em segurança social e em muitos casos, usam mesmo modernas formas de escravatura.   A cegueira dos governos "ocidentais", pressionados pelos lobbies das grandes empresas e do capitalismo selvagem, levou a um desemprego generalizado e ao colapso da segurança social. O ser humano passou para segundo plano e submeteu-se o interesse público ao das grandes corporações que deslocam os meios de produção para os lugares onde menos se paga pelo trabalho, mantendo o capital em paraísos fiscais para benesse de alguns. A bola...

Quo vadis, Facebook?

O Meu amigo Jorge Lemos perguntou no FB: "Facebook: quebra barreiras aproximando as pessoas ou, em sentido inverso, mata o exercício da conversa aberta, directa e na primeira pessoa? Será uma caixa de pandora?"   Ao que comentei: "O Facebook é mesmo a caixa de Pandora. Mas não só por esse motivo: a transferência da vida social efectiva em que as pessoas se encontram e partilham a vivência, para o mundo virtual em que apenas se encontram na rede, veio fazer da realidade individual um quarto fechado em que desaparecem as barreiras entre o humano e o animal. Mas não deixa de ser a maior experiência de anarquia jamais intentada pelo ser humano..."   E ele, "Não consigo, ainda, ter uma ideia formatada sobre esta nova realidade. É bem verdade que se refizeram velhas amizades e se criaram outras, novas. É bem verdade que aproximações (familiares e de amizades) aconteceram. Mas também é bem verdade ... que ao não haver uma "acareação", deix...